Agricultura familiar, gestão e a participação política

Este artigo é sobre agricultura familiar, no entanto, é também sobre estratégia de gestão e participação política. Isto significa que independente do problema social ou das oportunidades, o gestor público pode aplicar este mesmo arranjo institucional que ora apresento como modelo de gestão, na qual conceitos como transversalidade e a intersetorialidade são diretrizes fundamentais para superação da “política de caixinha” tão presente na gestão pública.

Neste aspecto, logo de inicio é fundamental situar a agricultura familiar como potencialidade, oportunidade que o Estado tem para gerar  renda e trabalho, combater à pobreza e reduzir as desigualdades sociais no Brasil. Trata-se de trabalhadores que utilizam predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento rural.

No Tocantins, estão neste contexto, segundo dados do IBGE, MDA e Seagro, 42 mil famílias, que ocupam a área de 2, 7 milhões de hectares (18,9% do Total) gerando cerca de 120 mil postos de ocupação, e contribuindo com 40% do valor bruto da produção agropecuária, aproximadamente R$ 273,7 milhões em receitas (35,8% do total). Boa parte da produção se concentra sobretudo, na produção de alimentos, tais como farinha de mandioca e derivados, arroz, leite, frutas, carnes (frango, suíno e bovino) e frutas.

Os dados são positivos, mas temos potencial para bem mais. Basta que o Estado assuma o papel de fomentador de políticas de incentivos à agricultura familiar, reconhecendo as necessidades dos agricultores a partir da sua localidade, priorizando o acesso à terra, ao crédito, renda e aos meios de produção.

Por óbvio e pelo acúmulo de conhecimento técnico dos servidores voltados para essa importante política, tenho a certeza que não estou a falar nenhuma novidade. Existem inúmeros documentos formulados em conferências que apontam alternativas para enfrentar a falta de infraestrutura, de assistência técnica agrária, do acesso precário da zona rural à saúde, ao transporte, a energia, a água e a educação.

Infelizmente, esses são problemas estruturantes que constituem-se em uma barreira para que a  população rural permaneça no campo, o que acabam por incentivar a migração para as cidades, sobretudo dos jovens. Podemos constatar a veracidade deste argumentação, ao observar os dados do Censo Demográfico de 2000 e 2010,  considerando somente os 21 municípios da região sudeste do Tocantins. Em dez anos, houve um aumento da população total que passou de 117.456 em 2000 para 123.791 em 2010, uma variação de 5,39%.  Já em relação à população rural, houve uma redução de 23,69%, que passou de  46 mil para 35 mil.

Com tantas desafios a sua permanência  no campo é natural que haja um desinteresse pela produção agropecuária e que se fortaleça o estigma de que morar no campo é algo desvalorizado, portanto, abandonar o meio rural para residir na cidade é a única opção existente, ainda que seja para viver na informalidade do mercado de trabalho.

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Combater esta realidade, articulando e integrando o mundo rural com urbano se torna em uma estratégia basilar para que o homens e mulheres do campo possam escolher permanecer no meio rural, tendo acesso as políticas estruturantes de qualidade que facilitem sua produção e a escoação de sua mercadoria, bem como ter acesso aos bens de consumo que hoje são fundamentais para a vida na cidade, como, por exemplo, o acesso à internet e a linha telefônica móvel e fixa.  Esta articulação provocaria mudanças significativas na  qualidade de vida, de produção e de relações de trabalho para as famílias trabalhadoras do campo.

É neste contexto, que um bom arranjo institucional é fundamental como estratégia de gestão. Os trabalhadores rurais precisam se reconhecer como protagonistas destas mudanças, atores políticos e interlocutores de uma agenda construída a partir do seu território. Para isso, é fundamental a compreensão de que não cabe somente ao Estado o papel de responsável pela sua execução, assim como, não se deve terceirizar o  lugar de fala a líderes que não possuíam legitimidade para  tanto.

Escrevo este artigo com propriedade, porque fui Secretária de Estado de Cidadania e Justiça por quase três anos e não há nada mais importante para assegurar orçamento e financeiro  para uma determinada política pública que a participação política social de grupos organizados. Gestor público não pode ter medo de transparência, pelo contrário, tem que ser um entusiasta deste modelo de gestão, ampliando cada vez mais espaços de participação do indivíduo no processo de execução das políticas públicas. É assim que acontece na maioria dos países desenvolvidos do continente europeu.

De modo que,  destaco aqui  o programa Território da Cidadania que foi desmantelado no governo Temer e que precisa ser retomado. O programa tem um olhar para o trabalhador rural, numa perspectiva emancipadora e municipalista, ao passo que propõe uma intervenção no território, por meio de uma gestão transversal e intersetorial de um conjunto de políticas públicas capazes de levar desenvolvimento econômico e universalizar os programas básicos de cidadania a zona rural, além de fortalecer a participação social como instrumento de gestão.

Ciente de que vivemos um momento de desânimo, de descredito, faço aqui um apelo, não somente aos agricultores, mas a todos os tocantinenses para participarem da gestão pública.  Sua participação determina que tipo de diálogo e mecanismos de transparência teremos para que os nossos direitos fundamentais sejam realmente efetivados.

Reitero meu singelo apelo, para que tenhamos um novo arranjo institucional, baseado numa relação de confiança com a sociedade, pois só há futuro para a agricultura familiar ou para qualquer política pública, se o ator principal, que é o cidadão, for reconhecido em seu papel de protagonista no tempo presente. Que cada uma faça a sua parte!

 

Gleidy Braga

Jornalista